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29 de março de 2008
O País que Falta
Numa altura em que o baile é mandado pela questão do Acordo ortográfico, daqui afirmo que à comunidade lusófona, ou CPLP (Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa), falta um país.
Não sou apenas eu quem o diz. Em lugares tão distantes quanto a Galiza e o Brasil, há muitas vozes que o reclamam.
Aqui ficam alguns apontamentos a respeito:
1.
“Este é o sítio web do Movimento Defesa da Língua (M.D.L.). Somos uma organização de acção social de base nascida no 1995 como aposta dos grupos de base que existiam na altura, e que como eles procura a naturalização da língua própria da Galiza, conhecida internamente como galego e internacionalmente como português. Queremos ser o referente das pessoas que acreditam na reintegração das falas galegas no sistema linguístico a que pertence, a Lusofonia, especialmente para reverter o processo de substituição do galego/português polo castelhano na população da Galiza e recuperá-lo para todo o uso linguístico.
Somos um colectivo democrático, aberto e horizontal que se rege por assembleia; independente de qualquer outro colectivo e partido político; e que aceita e ainda fomenta a liberdade de pensamento, salvo práticas ou condutas anti-sociais intoleráveis. Mais informação na secção Sobre o MDL.
Um fito importante foi que conseguimos fazer pola primeira vez que todos os colectivos lusistas da Galiza se reunissem em Compostela em Dezembro de 2001. Ali nasceu o Manifesto unitário reintegracionista do 15 de Dezembro (M15D), que defende a opção da Lusofonia como a única válida para a naturalização e recuperação da língua. O Comunicado sobre a reforma ortográfica e a língua na Galiza é muito parecido e além disso mais actual.
Convidamos-te a veres o nosso trabalho durante este tempo, e o que temos preparado para dentro de pouco. Convidamos-te também a contactar-nos e remeter-nos quaisquer sugestões. Estamos cá na defesa da língua na Galiza.”
( página principal do portal MDL )
2.
“Por muitos anos, chefes políticos galegos derrotados optaram pelo exílio em Portugal, inconformados com a sujeição de sua pátria aos reinos de Castela e Aragão. Um desses exilados foi o avô paterno de um poeta que, hoje, tem o seu nome ligado indissociavelmente à Língua Portuguesa: Luís Vaz de Camões (1524-1525?/1580). Se as circunstâncias políticas fossem outras, com certeza, Camões também seria reverenciado como o maior poeta da língua galega, ao lado de Rosalía de Castro (1837-1885)…
Carlos Quiroga, 45 anos, nascido em Vilazante, é professor de Literaturas Lusófonas na Universidade de Santiago… Continua a defender a liberdade e o final da censura promovida por aqueles setores comprometidos com os interesses político-económicos de Madri, apesar das últimas mudanças políticas que permitiram ao galego pelo menos recuperar sua auto-estima.
Essa liberdade, obviamente, só será completa quando a Galiza puder se filiar como nação independente à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), integrando-se ao mundo lusófono de mais de 200 milhões de pessoas, já que os galegos continuam a ser portugueses que ficaram além do Minho como os portugueses são galegos que ficaram do lado de cá.”
( Adelto Gonçalves, “Periferias” ou a viagem da língua, Vértice nº 136, Setembro-Outubro 2007, pp.140/142)
3.
Rosalía de Castro (1837-1885)
Este vaise e aquel vaise
Este vaise i aquel vaise,
e todos, todos se van,
Galicia, sin homes quedas
que te poidan traballar.
Téns, en cambio, orfos e orfas
e campos de soledad,
e pais que non teñen fillos
e fillos que non tén pais.
E téns corazóns que sufren
longas ausencias mortás,
viudas de vivos e mortos
que ninguén consolará.
¡Olvidémo-los mortos!
Corre o vento, o río pasa
Corre o vento, o río pasa;
corren nubes, nubes corren
camiño da miña casa.
Miña casa, meu abrigo:
vanse todos, eu me quedo
sin compaña, nin amigo.
Eu me quedo contemprando
as laradas das casiñas
por quen vivo suspirando.
Ven a noite..., morre o día,
as campanas tocan lonxe
o tocar da Ave María.
Elas tocan pra que rece;
eu non rezo, que os saloucos,
afogándome parece
que por min tén que rezar.
Campanas de Bastabales,
cando vos oio tocar,
mórrome de soidades.
admário costa lindo
24 de março de 2008
Luanda-a-Velha ou Luanda-a-Nova? III
3. Luanda-a-Nova
Neste tempo consumista em que vivemos, quando as pernas de uma cadeira se desengonçam é mais apropriado comprar uma nova mobília completa.
Os Bancos estão aí para ajudar. Fazem empréstimos ao preço da uva mijona, sem entrada e sem juros, com prazos a perder de vista e sem necessidade de garantias. Há até aqueles que nos pagam o seguro do carro e as contas da água, luz, telefone, internet e TV Cabo. É por estas e por outras que se diz que o Prémio Nobel da Paz de 2006 foi mal atribuído a Muhammad Yunus, porque o que ele faz é a mesmíssima coisa que fazem os grandes bancos capitalistas. Isso e muito mais: os grandes bancos, na Páscoa, põem à disposição dos clientes, nos seus balcões, tigelinhas de cristal com amêndoas e caramelos, oferecem serpentinas pelo Carnaval e cartões de boas festas no Natal. A Banca usurpou as funções das Misericórdias.
Voltando à pacassa fria, é mais fácil comprar o novo do que consertar o velho. No estado em que se encontra Luanda, diz-se à boca cheia, é melhor construir uma capital nova. Esta questão não é de agora mas acentuou-se nos últimos tempos, segundo me confidenciou um amigo que visitou Angola há pouco tempo. Contou-me isso e mais: que Luanda está edificada sobre uma mina de diamantes e é por essa razão que os governantes não se interessam em renovar ou requalificar a cidade. Deixa-se apodrecer e depois é só catar diamantes.
Mujimbos [5] à parte, o certo é que, segundo esse amigo, Luanda-a-Nova já está em construção, de Belas para sul. O ministro diz que é mentira, mas não deixa de esconder o gato com o rabo de fora:
“Diríamos que, quando se fala em nova capital, significa, essencialmente, a transferência, por assim dizer, do centro superior do poder político. Do que eu saiba, isto não está ainda na agenda do Governo”. [6]
1. Antes que tudo, caro Ministro, quando se fala em capital, em Angola, sabe tão bem como eu, fala-se de Luanda-a-cidade.
2. O que está verdadeiramente em causa é algo mais do que o “centro superior do poder político”.
3. Quando diz que “não está AINDA na agenda do Governo” quer significar que não há fumo sem fogo!? Mentira?
4. O que é necessário esclarecer: aquilo que está a ser construído para sul de Belas,
a) é uma nova cidade,
b) ou apenas está a ser posto em prática o plano de urbanismo que, afirmou V.Exª na entrevista citada, ainda está em estudo… e nem sequer tem competências atribuídas?
admário costa lindo
[5] Boatos.
[6] Sita José, entrevista citada.
Para ler na íntegra a entrevista de Sita José:
aceder ao “Jornal de Angola online/”
fazer a pesquisa por “criação de uma nova capital”.
imagens Google Earth 24.03.2008:
1. Sambizanga e Mercado Roque Santeiro
2. São Paulo
3/8. Belas
início do artigo
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18 de março de 2008
Luanda-a-Velha ou Luanda-a-Nova? II
2. O Paraíso
Quem olha para estas imagens descobre que o Paraíso existe. Fica em Luanda e serve, exclusivamente, para Reis, Príncipes, Viscondes, Condes, Marqueses, Duques, Valetes e Manilhas. E Jokers. Os tais de quem se sabe serem produtos do Vendedor de Passados.
Para estes pouco importa que o saneamento esteja podre – eles pouco tempo passam nas ruas, não sentem os cheiros.
Pouco importa que a distribuição eléctrica ande pelas ruas da amargura – eles compram geradores de corrente.
Pouco importa que falte a água canalizada – eles bebem água engarrafada, de marca, e lavam-se com perfumes, de marca.
Pouco importa que os musseques se tenham multiplicado na proporção de 1 para 20 – eles vivem em apartamentos de luxo e condomínios fechados, com áreas nunca inferiores a 150m2 por fracção.
O tempo do “Viva o Poder Popular” vai longe. O Povo já esqueceu o que isso queria dizer, se alguma vez pretendeu dizer alguma coisa. Muitos dos que berravam o slogan aos quarenta ventos hoje são Jokers, que podem assumir qualquer valor do baralho. Hoje quando alguém, por brincadeira, lhes sopra o velho slogan ao ouvido sentem asco e vomitam… uísque de malte e dom pérignon.
Quem olha para estas imagens descobre que o Paraíso existe. Fica em Luanda e dele se fixam fotos maravilhosas. Hoje, porém, o avanço da tecnologia permite-nos descobrir a fealdade que a beleza, por vezes, encerra.
Os Jokers pouco se importam com isso, apreciam mais o vistoso e o efémero. Manobram o passado com uma displicência arrogante.
“A agitação retrambolhava a placidez da ilha. Mais barcos cruzavam as águas descarregando objectos e pessoas. Os do bengalô matabichavam, a música suspendera-se e Noíto escutava as conversas.
«Fiat, já topaste que esses bailundos queimaram já as janelas? Puta que os pariu. Eu bem tentei um esquema para a casa ficar com o Silva mas o gajo é uma merda até decidir entrevistar-se com o funcionário da capitania. E agora calha-nos esta vizinhança. Traz aí o jindungo para remediar. Não é a mesma coisa. Devias ter temperado antes, Vera.»
«E os miúdos?»
«Eu na idade deles, pequeno almoço, pão e café com leite. E vivó-velho. Eles têm manteiga, doce, bolo, pá. Dá-me uma a estalar. Mando cá um sarro. Carreguei demais no uísque, ontem. Hoje não saio da cerveja. Fiat, amanhã, vais-me enterrar essas latas todas, pá. Isto é uma vergonha. Porra, és pior que o Comissariado ou estás a precisar de Filipinos?»
«Começas logo de manhã a dar pra trás!»
«O Jaime não aguenta! Henda, tu ou o Mandela, liguem a música, estamos a desperdiçar a energia.» [3]
“Andava a manhã a tilintar-se de latas e garrafas, patadas e dentadas dos cães sobre os despojos sobressaídos na areia. Ossos. Demasias de condutos, carne. Sobejos de peixe. Pedaços de ananás, mamão e abacate. Acompanhamentos, funji, arroz, batata e macarrão. Tudo salgalhado na areia. Papéis e pensos higiénicos. E o farejar dos cães, rabo de antena, latindo em despique pelos mais do espólio.” [4]
Ali fica o Paraíso, paredes-meias com o Inferno. Dantesco.
admário costa lindo
[3] Monteiro, Manuel Rui. Rioseco, Edições Cotovia, Lisboa, 1997, p. 111.
[4] Monteiro, ob.cit. p. 115.
crédito das imagens:
1. Mário Leong Antunes
2,3,4. Fernando Manuel Antunes
17 de março de 2008
Domínio Público
È um dos meus Portais favoritos.
Um sítio onde se pode encontrar de tudo o que é do domínio público (que não está dependente de direitos de autor) desde a Arte à Literatura, da História às Novas Tecnologias aplicadas ao ensino.
Se queres mulheres nuas, não tem. Se queres piadas de caserna, também não tem. Mas se queres Camões, Machado de Assis ou Fernando Pessoa, tem muito. Se queres Shakespeare, Sófocles ou Lorca, também tem muito.
O portal “Domínio Público" foi lançado em Novembro de 2004 pelo Ministério da Educação do Brasil e “propõe o compartilhamento de conhecimentos de forma equânime, colocando à disposição de todos os usuários da rede mundial de computadores - Internet - uma biblioteca virtual que deverá se constituir em referência para professores, alunos, pesquisadores e para a população em geral.
Este portal constitui-se em um ambiente virtual que permite a coleta, a integração, a preservação e o compartilhamento de conhecimentos, sendo seu principal objetivo o de promover o amplo acesso às obras literárias, artísticas e científicas (na forma de textos, sons, imagens e vídeos), já em domínio público ou que tenham a sua divulgação devidamente autorizada, que constituem o patrimônio cultural brasileiro e universal.”
(in Missão do Portal)
Obras dos autores citados e muitos outros podem ser descarregadas de borla. O acervo é enorme.
Não obstante a notícia chegou... aterradora. O portal está em vias de ser encerrado por não ser usado com a dimensão que o projecto requer.
É isto que nós, internautas da cultura, queremos?
admário costa lindo
nota:
para aceder ao portal clica no logótipo.
15 de março de 2008
Luanda-a-Velha ou Luanda-a-Nova? I
1. O Pesadelo
Luanda é uma cidade sem Rei nem Roque. Diz-se.
Há, no entanto, quem conteste esta afirmação porque Luanda tem Rei, sim senhor, tem vários Reis para maior precisão, porque não há burguesia que se preze sem o(s) seu(s) Rei(s). E quando não tem vai-se ao Vendedor de Passados:
“Depois de terminarem o jantar, depois de beber o seu chá de menta – José Buchmann preferiu um café – o albino foi buscar uma pasta de cartolina e abriu-a em cima da mesa. Mostrou o passaporte, o bilhete de identidade, a carta de condução. Havia também várias fotografias. Numa, em tons de sépia, bastante gasta, via-se um homem enorme, com um ar absorto, montado num boi-cavalo.
«Este», apresentou o albino, «é Cornélio Buchmann, o seu avô.»
Numa outra, um casal abraçava-se, junto a um rio, contra um horizonte largo e sem arestas. O homem tinha os olhos baixos. A mulher, num vestido estampado, florido, sorria para a objectiva. José Buchmann segurou a fotografia e levantou-se, colocando-se directamente sob a luz do candeeiro. A voz tremeu-lhe um pouco:
«São os meus pais?»
O albino confirmou.” [1]
E Roque também tem… o Santeiro pois então!
O certo e sabido é que Luanda está a rebentar pelas costuras:
por mor da sobrepopulação, do caos urbanístico, da surrealista desordem do transito rodoviário, pela escassez de meios de assistência social e pela caducidade das infra-estruturas de água, electricidade e saneamento básico.
A culpada por esta catástrofe urbana e social é a guerra, ou a sua herança, é bom de ver.
Se concordo com esta justificação no que diz respeito ao aumento demográfico da capital, o mesmo não posso dizer em relação aos restantes itens da questão. A cidade, depois da independência, não sofreu os efeitos directos da guerra. Mas, ao fim e ao cabo, a haver um bode expiatório quem mais o poderia ser senão a guerra? Embora se soubesse que, sem obras de conservação e manutenção, as infra-estruturas, mais dia menos dia, entrariam em colapso. Embora também se saiba que em tempo de guerra não se limpam armas. Nem as armas nem o resto.
“A cidade de Luanda, sobretudo a partir do período pós-idependência, começou a evoluir, ou seja, a crescer territorialmente, do ponto de vista espacial, mas sem aquilo que se pode considerar desenvolvimento. A cidade cresceu, sem que, em contrapartida, houvesse um acompanhamento das suas infra-estruturas e uma dotação de serviços sociais ao ritmo da expansão da cidade.” [2]
[1] Agualusa, José Eduardo. O Vendedor de Passados, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2004, pp.56-57.
[2] Sita José, Ministro do Urbanismo e Ambiente, entrevista ao Jornal de Angola em 9.09.2007.