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15 de março de 2008

Luanda-a-Velha ou Luanda-a-Nova? I













1. O Pesadelo




Luanda é uma cidade sem Rei nem Roque. Diz-se.

Há, no entanto, quem conteste esta afirmação porque Luanda tem Rei, sim senhor, tem vários Reis para maior precisão, porque não há burguesia que se preze sem o(s) seu(s) Rei(s). E quando não tem vai-se ao Vendedor de Passados:

“Depois de terminarem o jantar, depois de beber o seu chá de menta – José Buchmann preferiu um café – o albino foi buscar uma pasta de cartolina e abriu-a em cima da mesa. Mostrou o passaporte, o bilhete de identidade, a carta de condução. Havia também várias fotografias. Numa, em tons de sépia, bastante gasta, via-se um homem enorme, com um ar absorto, montado num boi-cavalo.
«Este», apresentou o albino, «é Cornélio Buchmann, o seu avô.»
Numa outra, um casal abraçava-se, junto a um rio, contra um horizonte largo e sem arestas. O homem tinha os olhos baixos. A mulher, num vestido estampado, florido, sorria para a objectiva. José Buchmann segurou a fotografia e levantou-se, colocando-se directamente sob a luz do candeeiro. A voz tremeu-lhe um pouco:
«São os meus pais?»
O albino confirmou.” [1]

E Roque também tem… o Santeiro pois então!

O certo e sabido é que Luanda está a rebentar pelas costuras:
por mor da sobrepopulação, do caos urbanístico, da surrealista desordem do transito rodoviário, pela escassez de meios de assistência social e pela caducidade das infra-estruturas de água, electricidade e saneamento básico.

A culpada por esta catástrofe urbana e social é a guerra, ou a sua herança, é bom de ver.

Se concordo com esta justificação no que diz respeito ao aumento demográfico da capital, o mesmo não posso dizer em relação aos restantes itens da questão. A cidade, depois da independência, não sofreu os efeitos directos da guerra. Mas, ao fim e ao cabo, a haver um bode expiatório quem mais o poderia ser senão a guerra? Embora se soubesse que, sem obras de conservação e manutenção, as infra-estruturas, mais dia menos dia, entrariam em colapso. Embora também se saiba que em tempo de guerra não se limpam armas. Nem as armas nem o resto.

“A cidade de Luanda, sobretudo a partir do período pós-idependência, começou a evoluir, ou seja, a crescer territorialmente, do ponto de vista espacial, mas sem aquilo que se pode considerar desenvolvimento. A cidade cresceu, sem que, em contrapartida, houvesse um acompanhamento das suas infra-estruturas e uma dotação de serviços sociais ao ritmo da expansão da cidade.” [2]


admário costa lindo


[1] Agualusa, José Eduardo. O Vendedor de Passados, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2004, pp.56-57.
[2] Sita José, Ministro do Urbanismo e Ambiente, entrevista ao Jornal de Angola em 9.09.2007.

crédito das imagens:
1. Fernando Manuel Antunes
2. desconhecido
3.
Steven LeVourc’h
4. Jorge Alberto


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