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14 de julho de 2006

A. Costa Lindo. AutoBio


a Canon




Sou homem de várias paixões. Por exemplo, entre a leitura e a escrita prefiro ambas. Mas isto é mais do que uma paixão: é um respirar, uma necessidade vital.

A paixão pela fotografia agarrei-a em 1972 em Carmona, Uije, no norte de Angola. Comprei, a um colega de trabalho, uma Canon (de que já não me lembro o modelo) em segunda-mão. E comecei imediatamente a disparar: contra tudo, o que mexia e o que estava quieto. Fui devorando livros sobre fotografia. Cedo os abandonei, depois de adquirir os conhecimentos básicos, porque sabia que o principal era a prática: regular, focar, enquadrar, disparar, disparar, disparar.

A certa altura concluí que o disparo não me chegava. Montei um mini laboratório para fotografia a preto-e-branco, também em segunda-mão. E foi então que descobri a fotografia como a quero: manipulável. Era isso, afinal, o que eu procurava: uma forma de pintar à minha maneira.

Desse tempo quase nada salvei. A minha família vivia no extremo oposto, no sul desértico. Para lá ia levando uma ou outra fotografia que aí ficava arquivada em álbum, junto a algumas outras que ia tirando nas férias que por lá passava. Muito poucas porque nessas alturas o que eu queria era o sol e o mar que me faltavam durante o resto do ano. Foram essas poucas fotografias que a minha mãe, com o seu zeloso sentido de amor, trouxe para Portugal. Muito pouco do que produzi entre 1972 e 1974.

Entretanto, no Uije, fui visitar, com alguns amigos, o primeiro acampamento da FNLA, em liberdade total. A minha inseparável Canon foi também. Foram longas horas de conversa com os guerrilheiros, acompanhando uma funjada comida à maneira tradicional: com os dedos. Saber bem, soube. Mas só até ao momento em que me lembrei que deixara a Canon no Landrover, que o Neves tinha o fraco costume de deixar aberto. E foi um ar que lhe deu, à minha Canon.

Depois veio a guerra, a segunda, a prisão, a fuga para Portugal em 1979 e etc.

Nunca deixei de ir adquirindo uma maquineta para me entreter, agora mais modestas porque o dinheiro está muito caro. Mas sempre pensei (e continuo a pensar) que a máquina não é tudo. Por vezes é, até, quase nada. O mais importante está por trás dela (o maquinista) e à sua frente (os carris e os passageiros).

E descobri a digitalização: as máquinas e os programas – aquilo que eu procurava quando me encafuava no minilaboratório do Uije. Descobri que há, agora, uma nova forma de pintar as fotografias. Com a vantagem de os pincéis e as tintas não borrarem as mãos.

Presentemente ando a cismar com outra hipótese: a de ver com o olhar de uma libelinha, de um lince, de uma cabra-de-leque ou de um gavião. Mas como essa questão está relacionada com a manipulação genética, ainda não o consegui.

admário costa lindo

4 comentários:

Anónimo disse...

Se esta iniciativa de A C Lindo o realiza, também transforma o leitor em próximo, da realidade africana angolana; e da fraternidade.

João Carlos Carranca disse...

Gostei de ter passado por aqui. Muitas mais vezes aqui passarei

Anónimo disse...

Devo confessar que gostei imenso do que li, de ter visto, e vou vir aqui mais vezes.
Poderei aqui escrever alguns poemas do meu querido e falecido irmão Eduardo Brazão-Filho, mais conhecido em Angola por Mossungo, poeta africano.

Mário Brazão

Unknown disse...

Amigo Mário Brazão:

Será muito melhor enviares-me os poemas por email, para serem colocados no "Poíesis".
Um abraço