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17 de janeiro de 2009

Palavras Aventureiras I

Navegantes



Vamos aqui gandiar pela história de algumas palavras de raiz angolana, ou por Angola perfilhadas - e pelo mais. Não será o mesmo que o “Mulonga, a palavra”, mas uma variante aprofundada.

Não sei quantificar as palavras angolanas que, desde a época da escravatura, navegaram e continuam a navegar pelas sete partidas do mundo, que não apenas pelos países de expressão portuguesa. Sei apenas que enriqueceram muito a Língua Portuguesa e que algumas foram mais além.

Também o poveiro, “tipo de pescador original e inconfundível na beira-mar portuguesa”, que vive “na orla da angra ou enseada de Varzim”,[1] se aventurou por esse mundo fora, provavelmente mesmo nas caravelas henriquinas. Esteve em Angola, principalmente na província de Moçamedes, actual Namibe, onde constituiu uma das comunidades mais numerosas e com influência decisiva no desenvolvimento daquela que foi a maior região piscatória de Angola.[2] Muitos dos termos portugueses daquela região, mormente os relacionados com a arte da pesca, são genuinamente poveiros.

Gandiar é um belíssimo regionalismo poveiro, que significa passear sem cuidados, aquilo que se pretende com esta série de artigos.

Peguemos então no assunto.

Para se investigar a origem, a identidade ou a história de determinado termo é fundamental, antes do mais, procurar saber de que língua(s) tratamos, ou cairemos em erros crassos.

Depois há que atender a que uma palavra ou expressão pode:

a) simplesmente, ser criada ou inventada –
ex: Xaxualhar (sussurrar das folhas das árvores pela acção do vento) é um neologismo de origem onomatopaica, ao que sabemos criado por Luandino Vieira;
“só um quente novo, um fresco bom, melhor que o vento que soprava xaxualhando as pequenas folhas verdes das acácias” [3];

b) derivar de outra, da mesma língua ou de língua estranha com a qual o falante esteja em
contacto, dominando-a ou não –
ex: Banzado é um adjectivo formado do verbo Banzar, que derivou do quimbundo Kubanza (pensar, meditar, cogitar, raciocinar) [4]; deu-se a queda (aférese) do prefixo verbal quimbundo – Ku – e ao radical Banza foi acrescentada a terminação ar da 1ª conjugação verbal em português ;
“- «É tão bonita!» – «Seu negro!» -
Ela foi feroz, tão franca,
que ele nem quis replicar:
- «Mas eu tenho a alma branca…»
- Ficou calado, banzado,
com vontade de chorar.”
[5]

c) ser transposta de língua estranha na sua totalidade, sem transformação (podendo sofrer apenas as necessárias adaptações morfológicas) –
ex: Kabalu (quimbundo) [4] é uma adaptação do Cavalo português;

d) evoluir para um termo totalmente novo –
ex: Batuque (bombo, tambor) – evoluiu do quimbundo Ba atuka (onde de salta ou se pino-teia) [6] => Baatuka > Batuka > Batuke > Batuque;
“quando passou ao largo da sua antiga senzala, a caminho do Posto do Cuilo, ouviu os patrícios cantarem ao som dos atabaques do batuque”; [7]

e) manter o mesmo significado ou adquirir significação diferente ou, mesmo, antónima do
original –
ex: mBolo (quimbundo) [4] – adaptou-se do Bolo português, passando a designar o Pão.

E assim iremos, de preferência ao sabor doce, de café em pingo.


notas e bibliografia:
[1] GRAÇA, António dos Santos. O Poveiro, Publicações Dom Quixote, 3ª edição, Lisboa, 1992, p. 17.
[2] MEDEIROS, Isabel. Contribuição para o Estudo da Colonização e da Pesca no Litoral de Angola ao Sul de Benguela, Instituto de Investigação Científica Tropical / Junta de Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa, 1982, p. 19:
“A Capitania de Moçamedes”, que contribuiu “com mais de 60% do total de pesca desembarcada no país, agrupava 35% dos pescadores matriculados, 22,2% do total de embarcações com 51% da tonelagem de arqueação bruta (dados de 1970-71, últimos disponíveis) e detinha 4,5% do valor das exportações angolanas dos derivados da pesca, que no conjunto representavam 5,4% daquelas exportações”.
[3] VIEIRA, José Luandino. Luuanda, Edições 70, 11ª ed., Lisboa, 2000, p.42.
[4] MATTA, J. D. Cordeiro da. Ensaio de Diccionario Kimbúndu-Portuguez, Casa Editora António Maria Pereira, Lisboa, 1893.
[5] VICTOR, Geraldo Bessa. Cubata Abandonada, Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1958, p. 29.
[6] RIBAS, Óscar. Dicionário de Regionalismos Angolanos, Contemporânea Editora, Matosinhos, 1997.
[7] SOROMENHO, Castro. Terra Morta, Campo das Letras, Porto, 2001, p. 49.


admário costa lindo

1 comentário:

Anónimo disse...

Admário, de "onde" virá o nome da minha terra, Chibia? E que significado teria?
Um abraço
Ju