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9 de julho de 2006

Prefácio do Sol e do Silêncio



Lá para o Sul... Prefácio do Sol e do Silêncio

Não se fazem prefácios para catálogos de pintura, muito embora os prefácios sejam mais próprios do meu hábito e costume. Nas entrelinhas das telas (tal como nos livros) encontram-se tantas leituras quantos os leitores e embora a pintura tenha uma só apresentação, o livro tem, sabe-se lá porquê, mais - a do Prefácio, a do Lançamento e, algumas vezes, a de um antiquíssimo Posfácio. Para corrigir este desajuste atrevo-me, pois, a fazer este prefácio, aonde prefácio não haveria de ser feito. Alguém virá que vos faça a apresentação destas telas e caberá a cada um de vós posfaciar, com a vossa opinião, esta exposição, à saída da vossa benquista visita. E assim, é dizer...

Mário Tendinha deixou a pintura há uma boa vintena de anos. Outras preocupações o tomavam: ganhar a vida, para poder um dia melhor viver a vida. E acreditava, quando fazia riscos e bonecos, nas chatas reuniões a que era obrigado, que o manejo do lápis seria um simples exercício de desenfastiado tédio. Não era. Era medo. Como artista, sabia que se perdesse a mão, emperraria o traço, cegaria a fantasia, a imaginação e atenção do olhar. Daí que tenha regressado ao óleo, ao acrílico, à aguarela e à tinta negra da china sem grandes embaraços, muito embora não lhe tivesse parecido suficiente voltar a pintar, mas refazer todo o seu percurso iniciando pelo desenho, até chegar à pintura.

Esta exposição é, também, por assim dizer, uma revisitação ao anterior percurso de pintor. E aqui o temos: na série “Perfis”, a delicada afinação dos dedos, o tom cuidado, embora medroso, de uma aguarela à procura de sentido. Mais adiante a infância - a menina inocente, o cão e a ausência sempre presente da mãe na mola da roupa. Olhemos os “Barcos do Mussulo” ou a saudade magoada de outras águas. Há um azul serrado, forte que nos fica a tempestuar a retina, um d’ouro e mar que nos sugere a dimensão inacabada do inatingível. O Avôzinho e Mingota é a escrita dos dias de hoje, suave porque as cores são de uma temperada suavidade, um espécie de passividade a que nos acostumamos, quando a rotina nos obriga a olhar e não ver. E de repente, intuímos, agressiva e violenta, forte e impressiva, a verdade - quase pornográfica - do erro, do abuso e da mentira. Porém onde o Mário Tendinha melhor se expressa, é na tonalidade amarelo-incandescente do deserto, cuja luz fazia morada de exílio na sua alma. Quase se diria que estes quadros são pintados sem nenhum elemento líquido. Que as figuras sempre difusas dos pastores e sempre presentes dos bois são a lembrança, perdurável e antiga, de sopros e areias, ainda mal lavados pela morrinha dos tempos. São tão só, luz, areia, crispação de vento cruciante e mar adivinhado. O Sol e o Silêncio como prefácio de um outro livro onde tudo é estranho, imperscrutável e segredoso – o deserto, o mar e o próprio homem. A infância, a solidão e o próprio sonho.Um convite a quem queira e seja capaz de ouvir esta quietude, tão já agora que leu - pequeno e pobre - este prefácio.

Darío de Melo


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2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei de ver AKi... Mário Tendinha
tanto como gostei do seu "Partilhar"...
Boas novas DO SUL encerra a sua obra...

O meu sorriso
para TI Mário T
e
para TI AdMário LinDo

1Bjinhão
aileda

Unknown disse...

Adélia,
penso que gostaste tanto quanto eu, no mínimo. "Partilhar" e "Lá para o Sul" são 2 séries formidáveis. Tendo que escolher APENAS UM, eu decidir-me-ia pelo "Nampango's" que considero (modesta opinião) um quadro FABULOSO. Mas aguarda porque a página do Mário ainda não está completa. O jornal não tem verbas para pagar a tarefeiros e, por isso, cá me vou desenrascando como posso.