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31 de julho de 2006

27 de Maio

Ao Baptista Neto,
que foi mandado colher café
e nunca mais voltou.


Longe de mim julgar quem quer e o que quer que seja. Nunca tive vocação para tal.

Posso, quando muito, ter opinião sobre questões que me toquem particularmente.

Posso, quando muito (e não seria a primeira vez) sofrer as consequências de ter opinado.

Sem dados concretos, no caso os papéis (que nunca se escrevem) sobre determinadas questões. Por exemplo: não tenho papelada alguma que confirme que existem fortunas colossais de membros do Governo e do Partido no poder em Angola, nascidas do nada (os cogumelos levam mais tempo a nascer).

Assim sendo, de acordo com alguns puristas da legalidade (!?), essas fortunas não existem, são pura especulação. Quem trata esses assuntos, seja jornalista ou simples cidadão interessado, não passa de um qualquer membro de uma qualquer organização mafiosa que apenas pretende denegrir o país, que é aquilo que Angola (pretendem, na verdade, significar o Governo de Angola) menos precisa no momento, atarefada como está na reparação das vias de comunicação destruídas pela guerra, na construção de mais e melhores escolas e centros hospitalares, na reconversão dos sistemas de saneamento básico, no combate à pobreza, na melhoria das condições de vida dos órfãos, viúvas e mutilados de guerra…

Querem de fechemos os olhos, que tapemos os ouvidos, que atentemos na corrupção que se passa por esse mundo fora, Portugal incluído, porque os governos africanos e o de Angola também têm direito ao seu quinhão.

Ainda hoje um amigo que muito prezo me disse para deixar para lá. Que ninguém, em Angola (Governo obviamente), irá reconhecer o que se passou.

Na História nada constará. As vítimas dos fuzilamentos (que não houve, segundo a História oficial) continuarão insepultas. Da História constará, talvez, aquilo que me disseram outros presos na cadeia da DISA, no Uije em 1978: que “aqueles camaradas foram mandados para a colheita do café”. Muito longa, a colheita!

Sigo, no entanto, um princípio que considero sagrado: toda a pessoa tem direito à dignidade.

A dignidade pressupõe a liberdade de expressão, quer seja ou não a favor dos nossos princípios particulares.

A liberdade de expressão pressupõe o manifesto publico daquilo que nos vai na alma mas, no mesmo nível de liberdade, o saber ouvir o que outros têm para contar.

Ninguém me vai impedir, nunca, seja quem for e a que pretexto for, de dizer aquilo que penso. Ou, como é o presente caso, ouvir o que outros têm a dizer.

Das suas mágoas. Das suas feridas.

Cada um terá a sua opinião sobre o “27 de Maio de 1977”.

Os familiares e amigos das vítimas desaparecidas também.

Que ninguém o ouse negar, para bem da sua consciência.


admário costa lindo





CARO VISITANTE do site 27MAIO.ORG
2006-07-28

Esperamos manter o site operacional e em permanente evolução para o tornar cada vez mais útil a todos aqueles que se interessam pelos acontecimentos do 27 de Maio de 1977 em Angola. Entretanto, permita-nos apresentar muito sumariamente quem somos.

A Associação 27 de Maio foi constituída por escritura pública realizada em Cartório Notarial em Lisboa, Portugal, em 2005, por iniciativa de alguns sobreviventes, familiares de vítimas, e amigos que também foram atingidos por aqueles acontecimentos.

A Associação 27 de Maio tem como seu objectivo principal a investigação, esclarecimento e divulgação dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977 em Angola.
Nesse sentido, um dos trabalhos da Associação tem sido o da recolha de testemunhos de sobreviventes, familiares, amigos, vítimas daqueles trágicos acontecimentos, e sua inventariação para que a memória não se perca, recolha essa feita quer pela participação das pessoas no site, quer por contacto directo com elas. Esses depoimentos serão classificados e reservados no nosso arquivo, garantindo-se a confidencialidade dos mesmos quando solicitada pelo seu autor, e a possibilidade de serem utilizados quando necessário.
É nossa convicção que este trabalho é um sustentáculo básico para todos aqueles que, melhor que nós, estão apetrechados para o continuar – historiadores, investigadores sociais, organismos internacionais, bem como para uma entidade independente capacitada para concretizar o que preconizamos como nossos objectivos: trazer a verdade dos factos ao domínio público, contribuindo de forma pacífica e objectiva para repor a verdade histórica, doa a quem doer, honrar os mortos e serenar o espírito dos vivos.
Para isso, precisamos do contributo de todos os que se interessam por esta causa.

Assim, gostaríamos de conhecer qual o propósito de cada um, qual o seu vínculo , quer sejam sobreviventes, familiares, amigos ou simplesmente interessados neste esclarecimento definitivo. Nesse sentido, solicitamos que utilizando o site, ou enviando para os endereços (geral@27maio.org ou APARTADO 23 , 2731-901 BARCARENA , PORTUGAL ), nos indiquem qual o Vosso “estatuto” (amigo, sobrevivente, familiar...), a natureza do Vosso interesse, e prestem o Vosso testemunho: só congregando intenções fortes e revelações credíveis, almejaremos um dia o conhecimento da história e a demanda da justiça.

E não se esqueça de subscrever o abaixo-assinado (www.27maio.org/peticao.php)

A Direcção da Associação 27 de Maio


(mensagem por correio electrónico )


»»» http://www.27maio.org/

3 comentários:

Anónimo disse...

Saiu agora um livro de um sobrevivente do 27 de Maio de 1977, chama-se Nuvem Negra da editora Clássica , à venda na livraria Escolar ao Campo Grande em lisboa. Aconselho todos a ler para verem como fomos enganados pelo Neto e seus colaboradores ,inventaram um golpe para justificar as prisões e mortes de tantos angolanos.

Maria Rodrigues Reis Costa disse...

Olá meus Amigos, muito obrigado por existirem. Vou comprar e ler o livro.
Eu vivia em Benguela na altura e posso testemunhar sobre tudo o que vi e o que sei. Tinha 15 anos e estudava no Instituto de Mecanica e Electricidade de Benguela.
Perdi amigos e conhecidos. A situação era tão grave que não tinhamos a quem pedir ajuda. O nosso governador (Comissário Provincial) foi um dos primeiros a desaparecer. Os dias seguintes foram de terror: Prisões em massa, casas violadas, intimidações constantes, famílias inteiras desesperadas e em panico total. A rádio e a televisão só passavam comunicados atrás de comunicados sem parar, uns atrás dos outros, de modo a mobilizarem a população a denunciarem, a procurarem e a entregarem os conhecidos, amigos e até familiares.
Agentes que se diziam da DISA, "invadiam" os ministérios públicos e empresas, com listas na mão e intrepelavam os trabalhadores buscando informação sobre quem vinha na lista. Consuante o que diziam assim estava ditado o destino dos listados. Situações houve, em que os intrepelados foram os próprios, que ou entravam em panico ou conseguiam balbuciar coisas como:" Conheço sim senhor, é uma pessoa muito boa, muito bom colega, fiel ao nosso povo, fiel ao nosso querido e amado presidente dr. Agostinho Neto, muito fiel e servidor do MPLA e por aí adiante. Mal pudessem, escondiam-se e punham-se em fuga para outro lado. Benguela perdeu muita gente. Uns morreram e os outros que puderam abandonaram a região e até o país. Um amigo meu que se encontra entre os desaparecidos até então, bom aluno e nosso companheiro, escrevia muito bem e ajudava-nos com os nossos trabalhos, foi-nos dito que tinha em sua casa não sei quantas mil catanas para matar os brancos e os mulatos. Num país onde já faltava tudo, já sem lojas abertas ao comércio, onde foi que ele arranjou as catanas, perguntavamos nós. Isso quem sabe é a DISA, respondiam-nos. A nossa amiga e colega, prima desse amigo nosso, abanava tristemente e em panico a cabeça, dizendo-nos para que não acreditassemos.Pouco tempo depois também ela se foi embora. Perdemos assim os nossos companheiros. Abandonamos o país, pouco a pouco.

Maria Rodrigues Reis Costa disse...

Palavra correcta: interpelavam, interpelados. Muito obrigado.