Canivete é um Mukuankala que todos dias, durante a primeira classe, me
acompanha na escola, no ir e no vir. Adoro as estórias que ele me conta.
Aprecio sobremaneira as suas explicações sobre as palavras e termos da sua
língua-mãe, cantaroladas e abundantes de estalinhos da língua que se entremeiam
nas estórias. Acho, até, que foi ele o primeiro responsável pela minha
apetência pela Cultura Angolana.
Nem sinto a longa caminhada. A escola fica quase no princípio da vila e
eu moro no extremo oposto, onde não há estrada nem de terra-batida, bem para lá
da barreira de casuarinas, na pescaria do Venâncio Pobre.
Naquele dia sexta-feira paro, já perto de chegar em casa, sento-me no
areal e puxo Canivete pela mão para que faça o mesmo, Queres ver, Canivete, eu já sei ler!?
Abro o livro de leitura da 1ª classe. Canivete parece mais feliz, mais
criança do que eu, a criança verdadeira. Aprecia os desenhos bonitos e a
arquitectura das letras.
I, g-r-e gre, j-a ja, igreja. Vês
como sei! Lê agora tu, aponto para o desenho de uma árvore - não é
casuarina mas é uma árvore ainda assim - e para as letras correspondentes.
Eu não sabe ler, minino, diz-me
Canivete com os olhos tristes que falam mais do que a boca.